segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Amante.

Foi o acordar de uma manhã quente, mas com sol muito frio que entrava pelas frestas de cortina e o congelava inteiro. Uma luminosidade cortante que forçava as pálpebras a se abrirem. Era manhã demais.
A cama morna no choque do tempo quente e do sol frio. Mas havia ali um calor que não era seu, era um calor de não ser. Os olhos semicerrados não permitiam nada além de entrever uma realidade fragmentada pelas marcas da persiana. Que calor era aquele? Os braços se esticaram em uma tentativa de alcançar sua origem e, no meio do caminho, encontraram um nada tão forte que suas mãos pararam com medo: não haviam jamais tocado um vazio de ar tão parado. Abaixou-as assustado tateando os lençóis velhos que cobriam o colchão e então sentiu. Sentiu tão forte a depressão de curvas que em algum momento marcaram aquele mesmo colchão em que deitava.
Eram curvas ainda quentes, tão delimitadas e explícitas que eram quase uma afronta. Só o tatear daquelas impressões já lhe tirava o fôlego. E era vazio. Aquelas marcas que afundavam o colchão faziam lembrar o quanto as formas que as gravaram estavam incrustadas na sua própria carne. Mas era vazio. O calor tão intenso que subvertia o sol em frio cortante criava uma necessidade de tatear com cada vez mais urgência as impressões. Era tudo um inverso desesperador: um não-corpo, um vazio, um colchão afundado.
Contorceu-se na cama com os músculos todos contraídos de querer. Ainda era vazio. Ousou então mover-se para o lado. O vazio daquele não-corpo do qual sentia necessidade com tanta violência precisava fundir-se a ele. Movia-se devagar, com medo de sua ousadia, e encontrava a sensualidade das impressões de sua cama. Lutou contra as marcas, enveredou-se urgente pelas curvas e por fim pôde encaixar seu corpo caótico no vazio de seu colchão.
O vazio de sua amada e ele próprio tão inteiro. Foi preenchido pela saudade enlouquecedora e preenchera o vazio dela com seu corpo entregue sem limites: eram enfim um só.