quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Córrego.

Eu sinto um devir tão grande e intenso para todos os cantos, por volta de mim. Sinto em minha pele o contato suave e sutil do tempo passando, uma brisa leve quase imperceptível – estava lá mas já se foi. O toque não é forte o suficiente para decidir os rumos por mim. A cada movimento que faço, até mesmo sem notar, destino a brisa suave do tempo por um caminho. A cada mudança de postura faço desaguar dali há muito tempo algo diferente do que havia planejado.
É o devir de mim, que eu mesma me guio sem saber (como me guiar?, não sei para onde quero ir). E me toca a pele toda o tempo inteiro, me arrepia o tempo que corre e a todo instante pergunta: para onde, para onde? É um tempo sem dó de mim que nada sei, que nada quero, que tão pouco pretendo – é só saber.
Passa, escorre, deságua: para onde?

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Amante.

Foi o acordar de uma manhã quente, mas com sol muito frio que entrava pelas frestas de cortina e o congelava inteiro. Uma luminosidade cortante que forçava as pálpebras a se abrirem. Era manhã demais.
A cama morna no choque do tempo quente e do sol frio. Mas havia ali um calor que não era seu, era um calor de não ser. Os olhos semicerrados não permitiam nada além de entrever uma realidade fragmentada pelas marcas da persiana. Que calor era aquele? Os braços se esticaram em uma tentativa de alcançar sua origem e, no meio do caminho, encontraram um nada tão forte que suas mãos pararam com medo: não haviam jamais tocado um vazio de ar tão parado. Abaixou-as assustado tateando os lençóis velhos que cobriam o colchão e então sentiu. Sentiu tão forte a depressão de curvas que em algum momento marcaram aquele mesmo colchão em que deitava.
Eram curvas ainda quentes, tão delimitadas e explícitas que eram quase uma afronta. Só o tatear daquelas impressões já lhe tirava o fôlego. E era vazio. Aquelas marcas que afundavam o colchão faziam lembrar o quanto as formas que as gravaram estavam incrustadas na sua própria carne. Mas era vazio. O calor tão intenso que subvertia o sol em frio cortante criava uma necessidade de tatear com cada vez mais urgência as impressões. Era tudo um inverso desesperador: um não-corpo, um vazio, um colchão afundado.
Contorceu-se na cama com os músculos todos contraídos de querer. Ainda era vazio. Ousou então mover-se para o lado. O vazio daquele não-corpo do qual sentia necessidade com tanta violência precisava fundir-se a ele. Movia-se devagar, com medo de sua ousadia, e encontrava a sensualidade das impressões de sua cama. Lutou contra as marcas, enveredou-se urgente pelas curvas e por fim pôde encaixar seu corpo caótico no vazio de seu colchão.
O vazio de sua amada e ele próprio tão inteiro. Foi preenchido pela saudade enlouquecedora e preenchera o vazio dela com seu corpo entregue sem limites: eram enfim um só.

domingo, 31 de outubro de 2010

Flor

Existo. No princípio existo somente, sem aspirações quaisquer. Mas em um instante todo o meu ser revolve – há um destino, há um curso a ser seguido. É força maior que todo o meu eu e mais mil outros eus somados. Me faz ser atirada em um processo que não entendo nem quero. Para onde rumo?
Sigo ensimesmada como sempre desde o momento pontual de eternidade em que passei a existir. Mas a força me impede, me impulsiona em um abismo lancinante. É como se desse ensimesmar fossem arrancadas de mim infinitas camadas. Removidas lentamente, uma a uma, com uma dor agonizante que não se descreve em palavras. Desprendem-se as camadas todas de mim, mas também umas das outras, ainda que continuemos unidas por um vínculo que agora nos é estranho.
Era una, existia plenamente em mim: era coisa-em-mim. Agora a dor afiada torna-me aberta e exposta. Cada espaço que separa-me de minhas camadas é um abismo de agonia. Como em uma cruel ironia, é nessa incrível dor, é nessa desesperada ausência que reside toda a beleza que carrego.
Sou flor.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Palavras

Quando cogito escrever, penso talvez fazê-lo para ser-me um pouco menos. Escrever é como um transe, é como um não-existir. As palavras fluem sobre mim, mas não sou eu quem as controlo. Sou apenas um caminho, um local por onde elas possam se concretizar. Passam por mim arrepiando-me todo o corpo, e é nesse arrepio que existo.
Quando as palavras perpassam-me, sinto-me inteira. Elas fazem seu trabalho de preencher em mim tudo o que outrora havia de vazio. As palavras me são por pura incompetência minha em ser-me. Necessito, num desespero agudo, que elas estejam ao meu lado, para guiar-me e fazer-me existir.
Ao terminar de escrever, sinto um estranhamento fortíssimo, como se aquelas palavras não houvessem sido proferidas por mim. É necessário reler cada sentença infinitas vezes e acostumar-me com a maneira com que as palavras fluem, para em seguida perguntar humildemente se elas permitem que eu as torne parte de mim. Minhas palavras jamais me rejeitaram, e por isso eu as amo como não há amor nenhum no mundo. Meu amor pelas palavras não é “eu te amo”, é “eu te sou”.

Oi!

Esse blog aqui é um lugar pra desabafar. Se você resolver ler espero que goste e que não se assuste muito com as bobagens.
Tainá.